Memórias póstumas de Brás Cubas

Publicado em 1881
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De antemão, peço desculpas aos leitores: não é possível fazer uma boa crítica de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Não há mais o que falar de uma obra que já foi tão revirada por estudiosos, bem mais capacitados do que eu para essa tarefa. É um livro tão clássico que até mesmo a dedicatória é clássica. Por isso, vou limitar este texto à minha experiência de leitura. Falarei sobre as impressões que tive, sem me aprofundar. Mas antes, como de praxe, vamos ao resumo da história.

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.

Como o próprio título do livro diz, a história gira em torno de Brás Cubas, um defunto autor (não um autor defunto, e isso é bem importante) que conta sua história de vida, seus amores e suas reflexões acerca de tudo e todos. Ele fala sobre os sonhos de ficar famoso com a criação de um emplastro, dos problemas familiares e de seu amor por toda a vida, Virgília.

Esse é um resumo porco e não faz jus à grandiosidade do livro do Machado, eu sei. Nem de longe. Aliás, ouso dizer que o mais importante nem é a história em si, mas sim a forma como ela é contada. São capítulos curtos, com reflexões fechadas e que evoluem de forma fluida. Mas ele não seria tão cultuado se não fosse pela figura do próprio Brás Cubas, que narra a história direto do além.

Para mim, essa é a grande sacada do livro. Como Brás está escrevendo direto do túmulo, permite-se fazer rodeios na história – afinal, tem todo o tempo do mundo para escrevê-la. E, por estar morto, pode brincar com a estrutura narrativa e conversar diretamente com o leitor. É o caso, por exemplo, do capítulo IV, no qual o narrador justifica o fato de o livro, até então, ter muita reflexão e pouca narração.

Todavia, importa dizer que este livro é escrito com a pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais passatempo e menos do que apostolado.

A vida de Brás Cubas, aliás, é uma série de fracassos. Talvez aí também esteja um dos grandes méritos do livro, que não cria um protagonista de boa índole. Era uma peste quando criança, traiu amigos, foi amante, preconceituoso, entrou em negócios furados e acumulou derrotas. O capítulo final é uma ode a tudo que ele não foi, elencando várias coisas que deixou de ser, mas que mesmo assim teve uma vida boa. E, no fim, a frase que mais resume tudo:

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

Esses fracassos são uma crítica à sociedade da época. Em vez de falar sobre a elite pelo lado de fora, Machado faz isso a partir de um personagem que está inserido nela, que não precisa trabalhar pois possui herança suficiente para se manter bem financeiramente pelo resto da vida. Uma vida, inclusive, de grande vazio, com críticas à sociedade escravocrata e ao ponto de mostrar um ex-escravo, que Brás humilhou quando criança, descontando no próprio escravo anos depois.

Outro ponto legal está no capítulo LXXI, quando o narrador começa a achar que o livro é “enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica”. Mas como não consegue admitir que tem culpa, diz que o leitor é o maior defeito de um livro. “Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar”, diz. O que é um grande trunfo, pois se as pessoas disserem que acharam o livro enfadonho, a culpa é delas e não do Machado, que pode dizer que fez isso de propósito.

Não vou entrar em detalhes de como a obra revolucionou o romance brasileiro, de como foi importante para o Realismo nacional e das ironias finas que jorram de todas as páginas. Resta dizer que Memórias Póstumas de Brás Cubas é um dos maiores livros da língua portuguesa e só isso basta.

Leitura na escola

Memórias não é um livro fácil de ser lido e não entendo porque os professores insistem em passá-lo para uma galera de 15 ou 16 anos. Machado de Assis é um dos principais autores nacionais e, por isso, um dos assuntos estudados na aula de língua portuguesa. A leitura, porém, exige bastante do leitor. Ele viveu em outra época, a linguagem e a sociedade eram diferentes das que estamos acostumados. É natural ter dificuldades.

Comecei a ler Memórias há um bom tempo, mas como não estava no clima para lê-lo, deixei de lado e só voltei quando me senti preparado. Mesmo assim, pretendo reler daqui uns anos, para ver novos pontos. E se você foi forçado a ler por algum professor de português, desapegue da obrigação e tente ler com prazer. Só assim a leitura vai se tornar prazerosa e você vai poder aproveitar toda a genialidade machadiana.

No blog da L&PM: Woody Allen também lê Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis
Editora Ática, 1990 (lançado em 1881)
144 páginas
ISBN: 85 08 00013 8

P.S.: Meu nome completo é Bruno Barbosa de Assis, mas sempre assino Bruno (ou Brunín) Assis. Só não uso o “de” por causa do Machado. Afinal, qualquer semelhança com o grande mestre da escrita é uma injustiça com a imagem dele.