É impressionante como pegar 2h30 de ônibus duas vezes por semana faz milagres para meus hábitos de leitura. Desde 2021, quando cheguei ao vergonhoso número de apenas 12 livros lidos, venho em uma melhoria crescente desse índice. Este ano voltei à boa forma e, enquanto escrevo este ranking, cheguei a 33 lidos – podendo bater 35, pois tem dois engatilhados para terminar até 31 de dezembro. Isso dá uma média de quase três livros por mês, o que é uma ótima retomada em meio ao caos que a vida está.
O mais importante, porém, é que sigo eliminando alguns calhamaços da estante e adicionando bem poucos à pilha de não lidos. Um dia, talvez, eu consiga atingir a tão sonhada meta de não ter nenhuma pendência na estante, mas ainda é um sonho distante. Até mesmo porque me vi em uma crise nesses últimos meses, em que não conseguia ler nada físico, ver séries ou assistir a filmes. O que me salvou foi o Kindle. Assim consegui ler várias coisas mais tranquilas para distrair minha cabeça.
Nessa toada, li obras de amigos e de pessoas que conheço pela internet, como Com amor, Ana (Larissa Siriani), Um passo de cada vez (Iris Figueiredo) e Um traço até você (Olívia Pilar). Também aproveitei para ler uns clássicos que nunca tinha lido, como Éramos seis (Maria José Dupré), O alquimista (Paulo Coelho) e O sofrimento do jovem Werther (Goethe), O diário de Anne Frank (Anne Frank), Viagem ao centro da Terra (Jules Verne), O complexo de Portnoy (Philip Roth) e O livro dos abraços (Eduardo Galeano). Mas nenhum desses teve a força para conseguir entrar no top 3 deste ano.
Quem quase chegou lá foi Antes do baile verde, da Ligia Fagundes Telles. Passei minha vida ouvindo falar maravilhas desse livro e, quando pude tê-lo em mãos, fez jus a tudo que me disseram. Uma escrita simples, mas que nos faz embrenhar dentro da rotina e dos problemas dos personagens, com situações que vão se complicando aos poucos diante de nós com maestria. Foi por pouquinho que ele não entrou na lista final.
Dito isso, vamos aos meus escolhidos como os melhores livros que li em 2023.
3º lugar – Brasil: uma biografia, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling
A história brasileira é fascinante. Apesar da minha veia um pouco mais voltada pra exatas na escola, sempre gostei muito do tema. É uma das matérias que mais dediquei horas de estudo, lendo e fazendo resumos no Ensino Médio. Vira e mexe, quando posso, gosto de pegar algo com esse viés para consumir. E Brasil: uma biografia foi a melhor obra que li nesse sentido. São mais de 500 anos condensados em pouco mais de 500 páginas, escritas de forma leve, didática, como se as autoras estivessem contando um caso.
É um livro histórico, denso de referências e citações, mas que funciona muito bem para um público leigo, como me considero, para se aprofundar um pouco na construção do Brasil atual. Schwarcz e Starling nos guiam em uma linha cronológica, mas com algumas voltas dentro do período escolhido conforme a necessidade do texto. E isso é lindo. Não têm medo de tocar em feridas históricas, apresentando as raízes dos inúmeros problemas que vivemos hoje. Mostram que a história não é uma linha reta, com ação e consequência. Ela é resultado de inúmeros fatores que nos trouxeram ao que somos hoje. Um show de apuração, um show de redação e um livro que deveria ser obrigatório para todo mundo entender melhor o país.
2º lugar – As vinhas da ira, de John Steinbeck
Um clássico da literatura norte-americana, principal responsável pelo Nobel para o Steinbeck. Uma história relativamente simples, porém trágica, que retrata a saga da família Joad em busca da sobrevivência após o crash da bolsa de Nova York, em 1929. Não só isso, aliás. Retrata um povo em um dos piores momentos do capitalismo, no qual a vontade de lucrar foi posta acima de tudo, mesmo diante de um cenário econômico destruído. Um êxodo forçado rumo à promessa de alguns centavos para comprar o jantar e que, no caminho, fez incontáveis vítimas da fome e do cansaço.
É duro ler As vinhas da ira. Pensar que a humanidade simplesmente não deu certo e que talvez a melhor opção fosse resetar tudo. Porque, apesar de ser uma obra de ficção, ela é real. É o retrato romantizado de um momento da história, em que o avanço do capitalismo tirou até mesmo a possibilidade das pessoas serem indivíduos. Eram uma massa, dividindo os mesmos sofrimentos e sendo exploradas em troca de farinha e óleo para fazer panqueca para os filhos à noite.
Tudo retratado com uma crueza por Steinbeck que chega a doer. A esperança contínua, a vontade de viver presente em cada um dos personagens. Isso dói. Palavras escritas que rasgar nossa carne e mostram uma face do mundo que nunca deveríamos ver. O final é lindo e dolorido. Um livro que dá uma porrada no estômago e fica do seu lado, rindo da sua dor. Uma leitura necessária para ter um pouco mais de amor ao próximo.
1º lugar – O tempo e o vento: o arquipélago, de Érico Veríssimo
Terminei de ler a trilogia O Tempo e o Vento com lágrimas nos olhos e a certeza dessa ser uma das melhores sagas da minha vida. Um passeio pela história do Rio Grande do Sul, sobre o gaúcho mitológico e sobre as transformações do Brasil. Um tratado sobre uma época, com suas contradições e debates filosóficos. Um épico nacional que merece ser celebrado com toda pompa possível.
Esse terceiro volume, especificamente, conclui a história de Rodrigo Cambará, iniciada de forma tímida em O Continente e expandida em O Retrato. Mas ele vai além disso. Ele dá um final satisfatório para todos os arcos narrativos – e quando eu digo satisfatório não é um final feliz, mas sim um final digno, que faz sentido. Consegue mostrar as contradições de um personagem apaixonado pela vida, mesmo em seu leito de morte. Mas, o principal, traz o renascimento simbólico de Floriano Cambará (ou seria Terra-Quadros) de uma forma crua, dolorosa, sincera e arrebatadora.
Além disso, consegue amarrar todas as pontas dos três livros, ao explicar o porquê daquela história estar sendo contada. E, como estamos apegados aos personagens, é inevitável não ser tragado quando a hora da morte de alguns se aproxima. Ou quando dois amantes têm uma decisão adulta e madura. Mas o autor é sagaz ao mostrar que a história continua. O mundo segue. De um jeito diferente do que os personagens esperavam, mas ele segue. Acompanhando cada evolução e cada novo passo dessa identidade gaúcha. É, definitivamente, meu livro do ano.
Ranking dos últimos anos
2011: 3º – Desventuras em série, Lemony Snicket || 2º – Os três mosqueteiros, Alexandre Dumas || 1º – Peter Pan, J. M. Barrie
2012: 3º – A invenção de Hugo Cabret, Brian Selznick || 2º – Jogador nº 1, Ernest Cline || 1º – A torre negra, Stephen King
2013: 3º – A dança da morte, Stephen King || 2º – O encontro marcado, Fernando Sabino || 1º – Daytripper, Fábio Moon e Gabriel Bá
2014: 3º – Mrs. Dalloway, Virginia Woolf || 2º – Lolita, Vladimir Nabokov || 1º – Sandman, Neil Gaiman
2015: 3º – O velho e o mar, Ernest Hemingway || 2º – Febre de bola, Nick Hornby || 1º – O senhor das moscas, William Golding
2016: 3º – A guerra dos tronos, George R. R. Martin || 2º – Pequenos deuses, Terry Pratchett || 1º – O sol é para todos, Harper Lee
2017: 3º – Androides sonham com ovelhas elétricas?, Philip K. Dick || 2º – Anna Kariênina, Liev Tostói || 1º – A saga do Tio Patinhas, Don Rosa
2018: 3º – A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch || 2º – David Copperfield, Charles Dickens || 1º – Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez
2019: 3º – A redoma de vidro, Sylvia Plath || 2º – Crônica de uma morte anunciada, Gabriel García Márquez || 1° – A casa dos espíritos, Isabel Allende
2020: 3º – Valente por você, Vitor Cafaggi || 2º – Os chefes, Mario Vargas Llosa || 1º – 1984, George Orwell
2021: 3º – O grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald || 2º – As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano || 1º – O tempo e o vento: o continente, Érico Veríssimo
2022: 3º – Os irmãos Karamázov, Fiódor Dostoiévski || 2º – Os miseráveis, Victor Hugo || 1º – Dom Casmurro, Machado de Assis
Livros lidos em 2023
(As datas são relativas ao término da leitura)
01/01: Mentirosos, E. Lockhart
15/01: Mingau: Apego, Ana Cardoso
30/01: O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
17/02: O complexo de Portnoy, Philip Roth
18/03: As vinhas da ira, John Steinbeck
23/03: O auto da maga Josefa, Paola Siviero
26/03: Frankenstein, Juji Ito
27/03: O mistério da sala secreta, Lavínia Rocha
08/04: Alguma poesia, Carlos Drummond de Andrade
28/04: O tempo e o vento: o retrato, Érico Veríssimo
13/05: O diário de Anne Frank, Anne Frank
03/06: Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade
18/06: Brasil: uma biografia, Lilia Schwarcz e Heloisa Starling
26/06: Viagem ao centro da Terra, Jules Verne
02/09: O tempo e o vento: o arquipélago, Érico Veríssimo
09/09: Éramos seis, Maria José Dupré Físico
11/09: Xaveco: Vitória, Guilherme de Sousa
12/09: A maravilhosa terra de Oz, Frank L. Baum
21/09: São Paulo Noir, Tony Belloto
23/09: Diário de um banana, Jeff Kinney
28/09: Diário de um banana: Rodrick é o cara, Jeff Kinney
12/10: Um traço até você, Olívia Pilar
17/10: Um passo de cada vez, Iris Figueiredo
19/10: Para Ana, com amor, Larissa Siriani
21/10: Diário de um banana: A gota d’água, Jeff Kinney
25/10: Dias Perfeitos, Raphael Montes
28/10: Diário de um banana: Dias de cão, Jeff Kinney
15/11: O sofrimento do joven Werther, Goethe
21/11: O livro dos abraços, Eduardo Galeano
29/11: Olhos d’água, Conceição Evaristo
25/11: Jeremias: Estrela, Rafael Calça e Jefferson Costa
30/11: O alquimista, Paulo Coelho
13/12: Antes do baile verde, Lygia Fagundes Telles
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.