Acompanho o blog do Vitor Cafaggi há uns quatro anos, desde quando ele ainda publicava as tiras do Puny Parker. Quando o pequeno super-herói se foi, vi surgir um simpático cachorrinho que me conquistou logo na primeira tira. Lá se vão alguns anos, duas coletâneas de tiras, participação no MSP 50, no Pequenos heróis, uma graphic novel da Turma da Mônica e alguns Troféus HQ Mix nas costas. Não é pouca coisa.

O primeiro dos prêmios (“Novo talento – roteirista”, em 2012) veio com os lançamentos de Valente para sempre e de outra obra menos conhecida, mas igualmente boa, chamada Duo.tone – publicadas de forma independente.

Capa de Duo.tone, com uma criança deitada em cima de um lobo gigante

Duotone

Vitor Cafaggi
Publicado em 2011

Duo.tone traz duas histórias curtas e sem ligação entre elas. A primeira nos apresenta a Tim, um “bichinho do mato” acostumado a brincar sozinho no campo e utilizar a sua fértil imaginação para criar histórias imponentes de super-heróis. O problema é que ele está de mudança para a cidade grande e precisa se despedir para viver em uma nova realidade. Na segunda história, acompanhamos Toshio, um jovem que sai de casa para encontrar a namorada e, no caminho, se vê no meio de uma aventura com robôs, piratas e monstros gigantes.

Assim como todos os trabalhos que já li do Vitor, Duo.tone tem aquela sensibilidade e simplicidade que são típicos da infância e a até mesmo a adolescência. Na aventura de Tim, que foi a que mais gostei, a tristeza que envolve uma mudança radical de vida é sutilmente abordada, de uma forma que emociona os corações mais gelados. Digo isso porque eu, que costumo não ter sentimentos, terminei de ler e fiquei com um nó na garganta que não saiu por horas.

Cena de Duo.tone em que a criança se despede de um enorme gorila, que vai se transformando em uma pedra a medida que o menino se afasta

Nas duas histórias, o silêncio e os detalhes são muito mais importantes que os diálogos. Todo o sentimento de perda que Tim demostra é visível graças aos elementos visuais utilizados, à expressão facial do personagem diante de diversas situações e às intervenções pontuais com fala do garoto. O quadrinho final, em toda a sua grandiosidade, é uma síntese de tudo que falei aqui. Já em Toshio, só há diálogos nos três primeiros quadrinhos, mas eles são importantes para fazer um paralelo com o que acontece nos três últimos. As falas se tornam desnecessárias quando os desenhos conseguem dizer muito sozinhos.

Três imagens retratando o personagens Toshio, de descendência japonesa e usando um casado vermelho e fones de ouvido.

E não há o que falar do desenho e as cores utilizadas pelo Vitor. Até o monstro de Toshio consegue parecer assustador e simpático ao mesmo tempo. A paleta de cores voltada para os tons pastéis é linda e está presente também na graphic novel da Turma da Mônica e na série de tirinhas Puny Parker. A qualidade do papel é muito boa e preciso fazer um destaque especial para os esboços que funcionam como separação das histórias, pois é uma coisa que sempre gosto de ver.

O segundo HQ Mix

E se alguém ainda tinha dúvida do talento do Vitor, este ano foi a chegada definitiva dele ao cenário dos quadrinhos nacionais. Além de assinar, junto com a irmã Lu, a graphic novel da turma da Mônica, ele também levou o segundo Troféu HQ Mix (Publicação de tiras) pela publicação de Valente para todas, compilação de 74 tiras já publicadas pelo jornal O Globo e que compõe a segunda temporada do personagem.

Capa de Valente para todas, em que o cachorrinho está vestido com roupa de formatura, mas olhando fixamente para frente e assustado.

Como falei na resenha do primeiro livro, o Valente é um cachorro que poderia ser eu, você ou qualquer outra pessoa que você conheça. Para quem não se lembra do que aconteceu no livro passado, aqui vão alguns spoilers: Valente sofreu de amores pela Dama, foi rejeitado, conheceu a Princesa, apaixonou-se de novo, começou a sair com ela e gerou o ciúmes da Dama, que percebeu que gostava dele. É nesse ponto que Valente para todas começa.

Se no primeiro número o Valente vivia aquela típica situação de estar apaixonado e não ser correspondido, aqui ele vive outra situação muito típica da vida: estar apaixonado por duas pessoas e ser correspondido pelas duas. Daí vem o título de “para todas”, pois Valente vai tentar lidar com esses dois amores de uma vez só.

O que faz o Valente ser tão parecido conosco são as tirinhas “filler” que estão presentes no álbum e nos ajudam a construir melhor a figura do personagem e de seus amigos. Logo no início, descobrimos como ele se tornou amigo da Bu (em uma auto referência às As incríveis aventuras do pequeno Parker), depois conhecemos melhor o grupo de RPG e o que pensam cada um deles. Isso é fundamental para entrarmos de cabeça naquele mundo.

No primeiro livro, destaquei alguns quadrinhos que me chamaram atenção narrativamente. Nesse eu queria destacar não quadrinhos específicos, mas um elemento visual que foi muito bem utilizado: os coraçõezinhos. Eles funcionam para mostrar que o Valente ainda gosta de determinada personagem. Eles aparecem sozinhos ou em dupla, dependendo do estado dele, com direito até a interações com o Valente. A simbologia é tão forte que, na cena que ele finalmente resolve o seu problema de vida, um dos coraçõezinhos explode e deixa o outro sozinho.

Quadrinho mostrando dois corações rodando na cabeça do Valente

Um dos quadrinhos finais também merece destaque, que mostra a passagem de tempo e o Valente com a mesma cara que ele apresenta na capa da obra. Lógico que não vou falar o porquê dessa cara, mas o final deste volume é um tapa na cara da gente e do Valente, que mais do que ninguém merece um final feliz.

Enfim, minha coleção Cafaggi tá quase completa e continuarei a acompanhar as aventuras do Valente pelo blog do Vitor. Quero saber logo o que acontecerá na terceira temporada!

Duo.tone
Vitor Cafaggi
Independente (Pandemônio), 2011
46 páginas

Valente para todas
Vitor Cafaggi
Independente (Pandemônio), 2012
84 páginas

P.S.: É legal ver que o mesmo estilo de brinquedos que eram usados pelo Puny Parker estão em Duo.tone e aparecem de relance em Turma da Mônica: Laços. As action figures de He-man e dos Thundercats nunca estiveram tão na moda.

P.S. 2: Ganhei Valente para sempre autografado. Meus exemplares de Duo.tone, Valente para todas e Turma da Mônica: Laços não estão autografados. Isso significa que eu vou correr atrás do Vitor no FIQ 2013 pra ele autografar tudo pra mim!

P.S. 3: Já quero a reimpressão de Mixtape, da Lu Cafaggi.