“Cale o cansaço, refaça o laço
Ofereça um abraço quente
A música é só uma semente
Um sorriso ainda é a única língua que todos entende”
Principia – Emicida

Quando comecei a escrever crônicas de aniversário, não tinha como imaginar que elas se tornariam tão importantes para mim. Já são 12 textos documentando minha vida, desde quando eu era um jovem de 22 anos, com todo o medo e a esperança do mundo, até o último, aos 34, falando de como lidar com a pior dor que senti até hoje. Revisitei essa história antes de escrever a crônica deste ano e relembrei um pouco de tudo que vivi. Mesmo uma década depois, me lembro bem do significado de cada palavra escrita, mesmo que não esteja evidente para quem lê. E sei que há muito para falar sobre este meu ciclo dos 34 anos. Mas, vou manter simples: acho que posso me considerar um sujeito de sorte.

Tenho que citar Belchior porque às vezes um bom clichê é tudo aquilo que precisamos para descrever o que estamos vivendo. Como ele disse, e eu vivi na pele, ano passado eu morri, mas este ano eu não morro. E, apesar de não mais tão moço, ainda me sinto são e salvo e forte. É isso. Não tem forma melhor de retratar o que estou sentindo. Passei pelo pior momento da minha vida e ainda estou aqui. De pé, fazendo minhas coisas. Sei que poderia ficar os próximos parágrafos inteiros reclamando dos problemas que estou enfrentando – e vou fazer isso ainda, esta não é a crônica de aniversário da Pollyana. Mas este ano me recuso a começar assim. Seria injusto comigo mesmo e com o que quero carregar para os meus 35.

Quero aproveitar para agradecer pelas pequenas alegrias da vida adulta – em mais uma citação musical clichê, me desculpa. É dormir um pouco mais em um dia de paz. Encontrar a Tupperware que a tampa ainda encaixa. Receber uma mensagem de carinho em um dia de merda. Ter sempre um meme bobo na DM do Instagram. Assistir a uma apresentação de dança de quem se ama. E agradecer por coisas que achei que seriam impossíveis quando escrevi o exorcismo de 2023. Virar para aquele cara que fez um desabafo desesperado no fim de ano e falar que, sim, as férias decentes vieram. Aquele exercício físico? Está sendo feito de forma regular há dois meses, quem diria! Que agora está sendo possível até mesmo brincar de fazer coisas para si, sem se preocupar com os outros. Que, por mais difícil que seja, ele está tentando olhar com mais carinho para si mesmo.

Mas o maior agradecimento é para aqueles que me cercam. Se posso encher a boca para falar que sou um sujeito de sorte, é porque estou rodeado por pessoas incríveis. Às vezes, inclusive, acho que Roberto Carlos até ficaria com inveja do meu um milhão de amigos. Pessoas que estão na minha vida há quase 25 anos ou que chegaram há pouco, mas que estão aqui sempre que preciso – e até mesmo quando não sabia que precisava. Não costumo fazer menções nominais, mas um desses, em especial, ultrapassou a barreira e entrou na categoria de irmão, alguém que eu não meço esforços para ver bem. Ele sabe quem é e o quão importante é e tem sido para mim. Mas não é só isso. Também estou cercado por amigos no trabalho, que tornaram a rotina algo prazeroso de se viver. E, principalmente, por minha família, que segurou comigo esse vazio que continua doendo e fez os piores momentos ficarem mais leves, às vezes sem nem saber direito disso.

Não é ser gratiluz, mas sim reconhecer que, sem um esforço pessoal e sem esse suporte imprescindível que recebi ao longo do último ano, as coisas não teriam funcionado. O mundo voltou a rodar, e eu, querendo ou não, precisei embarcar. Agora quero sentir de novo. Sair da apatia que, por vezes, ainda bate em mim. Me aventurar, brincar, rir, torcer, xingar, escrever, recitar, falar, reclamar, experimentar, amar. Ser impulsivo, mas também planejar e sonhar. Entender pela primeira vez o que realmente quero para mim, longe da expectativa das outras pessoas. Me sinto pronto para isso. Para voltar a viver longe de algumas amarras.

Por isso é a hora de enfrentar algumas questões que venho evitando encarar de frente há muito tempo. Minha casa é assombrada para um caralho e levo meus fantasmas para onde quer que eu vá. Tem muita coisa para resolver internamente antes de poder receber alguém, mas não tem mais tempo para esperar. Quero experimentar de novo como é essa sensação. Sei que é um processo e, infelizmente, não foi inventado um aspirador para expurgar esses fantasmas do caminho. É no soco mesmo. E vou apanhar, sei disso. Mas já disse que sou um sujeito de sorte, não é? A torcida é grande e vai me ajudar a levar cada um deles a nocaute.

Uma dessas questões que preciso resolver com urgência é a eterna sensação de cansaço. É algo que vem lá de 2019, foi acentuado pela pandemia e piorado pela doença da minha mãe. Mas a culpa é toda minha. Elementos externos contribuem, mas sem aprender a impor limites não vai funcionar. Porque tendo a absorver esses problemas internos e externos e fico fora do prumo. É um pouco do que falei no desabafo que postei em fevereiro. Tenho que parar de me sentir insuficiente. É difícil. Eu tenho levado na cara todo dia buscando isso. Mas queria deixar registrado aqui para o futuro que estou tentando. É a primeira vez que escrevo isso e espero que daqui dez anos eu possa voltar aqui e ver que tudo valeu a pena.

Mas não é só isso. Há questões maiores que nem sei por onde começar a tratar. Também estou tentando achar a autoestima que roubaram de mim, Baco. Tantas dores que eu tentei esconder. E esse é só um ponto. Quero entender quais os meus planos para o futuro, sem pensar na expectativa dos outros. Sem tentar agradar ninguém, como sempre busquei ao longo de toda a minha vida. Mais do que nunca, quero perseguir o meu único objetivo de todo final de ano: ser a melhor versão de mim. Dessa vez, porém, sem estar moldado pelos outros, mas por mim mesmo.