Foram setenta e três mensagens enviadas pra um telefone desconhecido. Eu contei. Setenta e três.

Não é justificativa, sei, mas eu tava bêbado. Muito bêbado. Não me lembro de escrever nenhuma das mensagens. O recibo de pagamento ao lado da cama mostra uma conta de quatro dígitos. Bebemos pra caralho. E ficou até barato.

Quem tá comigo sabe, aqui o bonde é outro nível. A gente chega é de carro importado conversível, pra mostrar quem manda no lugar. O baile é nossa casa. O álcool é brinde. Pra beber até desmaiar. A mulherada também é brinde. É só balançar as garrafas que elas vêm. O alto do camarote é nosso ninho da águia. Nosso clubinho da putaria. Visão excelente aliada a um serviço de primeira. Bar exclusivo. As melhores bebidas. Bartenders que sabem dos nossos gostos.

Também dá pra ver as patricinhas na pista de dança. Rebolam com gosto até o chão. Todas com caras de santa. Não enganam ninguém. É só fazer chover nota de cem pra elas virarem cachorras na minha mão.

Inclusive meu radar já tinha avistado qual seria o alvo da noite. Eram os peitos mais bonitos que já vi na vida. Redondos, gigantes e perfeitos. A santíssima trindade dos adjetivos. Nossos olhares se cruzaram algumas vezes. A moça sorriu quando ofereci uma pulseirinha do camarote. Quando chamei, trouxe amigas tão gostosas quanto ela. Fiquei feliz. Meus amigos ficaram felizes. A noite tava completa.

Como ela se chamava? Não sei. Para fins dessa história, vou chamar ela de Peitos. Saber o nome é superestimado quando tudo que você quer é curtir uma noite. Pra que vou namorar se ser solteiro é o esquema? É trepar até acabarem as forças, dar o dinheiro do táxi e mandar a cachorra pra casa. Simples. Pretendia fazer isso com a Peitos, se ela quisesse. Ou se a bebida deixasse.

Até porque perdi a memória por volta das duas da manhã. A última lembrança nítida é a de pedir o combo de vodka com energético pros meus amigos, uma bebida doce pra Peitos e virar mais uma dose de tequila. A quinta. Descemos pra pista e, depois disso, apenas flashes.

Um beijo na nuca. Uma garrafa de champagne. O dj mandando uma da Tom Produções. Uma sexta dose. Peitos rebolando no meu pau. Copos com vodka de mão em mão. A bartender que sempre está lá. Alguém me jogando pro alto. Uma conversa no balcão. Uma mão dentro da minha calça. Uma tela preta. Um zumbido na cabeça.

Acordei às cinco da tarde com o barulho do chuveiro. Pelado, com sinais de vômito. Minha calça jogada em cima do notebook. Três camisinhas usadas na cabeceira. Uma calcinha preta na porta do banheiro. Pelo menos estava em casa. Não que eu saiba como cheguei aqui. Devo ter ligado pro motorista do meu pai, pegado um táxi, uma carona, vendido meu corpo. Não sei.

Teria dormido o resto da tarde/noite se a Peitos não tivesse resolvido tomar um banho antes de ir embora. O barulho do chuveiro me incomoda. Pelo jeito cometi o erro de não deixar o dinheiro do táxi pra despachar ela mais cedo. As camisinhas indicam que nós fodemos bastante. Três vezes, no mínimo. Sem contar as vezes sem a capa. Pode ter rolado. Não sei. Melhor conferir se ela toma anticoncepcional.

Tudo que contei aí em cima só veio agora, com a cabeça de volta aos eixos. Não tenho a mínima ideia do que aconteceu nas últimas 12 horas. Era bom eu tentar descobrir, então vasculhei o quarto. A conta do baile tava na cabeceira da cama. Meu pai resolve isso depois. A carteira estava ali também. Documentos todos ok. O celular caído no tapete, ao lado da cama. A tela piscava a luz de notificações. Me preparei para o caos.

Sempre que ele passava algumas horas apagado, milhões delas se juntavam. Mensagens dos amigos. Grupos de pornografia. Replys no Twitter. Likes do Instagram. Snapchats. Comentários no Facebook. O caos. Quando desbloqueei, porém, havia pouca coisa. Estranho.

Conferi para ver se tinha alguma foto comprometedora na câmera. Nada. Tudo sobre controle. No Whatsapp, poucas mensagens, todas da última hora. Mais estranho ainda. Desci a tela para verificar o que houve e tinha um número desconhecido ali no meio. A última resposta era da pessoa:

“Calma
É no caminho do trabalho
Já já chego aí”.

Foi quando percebi as mensagens anteriores. Elas começavam às 8 da manhã e iam até uma hora antes. Foram setenta e três. Todas mostravam o meu desespero com alguma coisa. Não sabia o que era essa alguma coisa. Não me lembrava de ter enviado as mensagens. O pior era a mensagem da pessoa no final. “Já já chego aí”. Como assim?

Então ouvi a água do chuveiro sendo desligada e o som de passos atrás da porta. Talvez a Peitos pudesse me ajudar a descobrir o que houve.

Mas quem saiu do banheiro não foi a Peitos.

Foi a bartender.

Para ler ouvindo: Tô tirando onda – Biel

Esta crônica faz parte do Music Experience