Cada um é o que sobrou de ontem, o que juntou de tudo
Diretor, protagonista e roteirista do seu mundo
Vítima ou culpado, castigo ou recompensa
Esteja em nós o nosso reino, perdoai-nos tanta ofensa

Qual é o rosto de Deus – Braza

Até tentei fugir da ideia de fazer um texto sobre como foi viver em um ano de pandemia, mas não tem como tangenciar esse assunto. Ao lembrarmos de 2020, a primeira memória sempre será sobre o vírus que nos prendeu em casa e nos fez ter medo durante tantos meses. Estou de home office desde 21 de março, com saídas ocasionais para algumas reuniões de trabalho, encontrar minha família e um pequeno círculo de amigos. É isso que tem mantido minha sanidade, mas não tem sido o suficiente.

Em 2019, falei que a palavra que definiu o ano foi cansaço. Coitado do Bruno do passado. Mal sabia ele que chegaria ao fim de 2020 sem nenhum divertidamente em pleno funcionamento. Tenho dormido mal há meses, meu relógio biológico não existe mais, minha mente está tomada pelo trabalho o tempo inteiro e até mesmo no hospital fui parar por mais um ataque de ansiedade. Eram problemas que estavam estabilizados após dois anos de tratamento psicológico e que voltaram graças a esse isolamento social.

O pior que é difícil culpar alguém por essa recaída. Estamos no meio de uma pandemia e, por mais que eu tenha me permitido algumas pequenas liberdades, ainda sigo bastante em casa, mantendo o controle para evitar me contaminar ou contaminar as pessoas que amo. O lado positivo é que ninguém próximo foi afetado pela doença a ponto de ter consequências mais graves ou vir a falecer. Cada dia sem uma notícia dessa é mais um dia próximo à vacina e à segurança de todos que importam para mim. O lado negativo é que meu psicológico está moído.

Pensar que estou isolado em prol dos outros não diminui o quanto fiquei e ainda estou me sentindo mal. Inclusive menti quando disse que não podia culpar alguém, já que boa parte dessa culpa é minha. Tenho me cobrado mais do que o normal. Não tenho conseguido controlar prioridades e fazer as coisas no ritmo normal. Me acostumei fácil demais com estar sozinho e acho difícil estar em grupo de novo. Deixei de lado qualquer sinal de investida amorosa por puro desinteresse em estar com alguém nesse momento – e olha que este ano surgiram mais oportunidades do que o normal. Enfim, me enfiei em uma toca e está sendo difícil sair.

É claro que isso também teve algumas consequências positivas, mas os ônus têm sido bem piores do que eu poderia imaginar. Esse isolamento constante, de estar longe da família e amigos, tem cobrado um preço enorme. Eu costumava visitar minha mãe toda semana, mas este ano dá para contar nos dedos das mãos quantas vezes fui na casa dela. Há amigos muito próximos que não vejo há quase um ano e estou me corroendo por dentro por isso. E logo em um ano que tanta coisa aconteceu na minha vida e que eu precisava estar junto com eles para contar e ouvir o que eles tinham a dizer.

Se não estou pior é graças a uma pequena rede de apoio que formei ao meu redor. São amigos que com certeza não lerão este post, mas que sabem do quão importantes para mim este ano. Pessoas que me socorreram em momentos difíceis, que vieram aqui e me deram um ombro amigo quando precisei. Foram horas de conversas presenciais e virtuais, pequenos encontros e muito videogame para me ajudar a superar este ano de merda.

A pior parte é que não tenho nenhuma esperança disso mudar em 2021, pelo menos não até que haja uma vacina eficiente contra o vírus. Depois será preciso se readaptar à vida “normal”, com todos os traumas adquiridos depois de tanto tempo sozinho em casa. Já imagino que não será algo fácil, mas esse é um problema que eu gostaria muito de enfrentar em breve. Diante de tudo que tem passado na minha cabeça, será algo leve, tenho certeza.

É por isso que preciso dar um jeito na minha vida de alguma forma. Quando escrevi minha crônica de aniversário deste ano, disse estar com a sensação de que alguns ciclos se fechariam em breve. Essa impressão se mantém e está cada vez mais forte. Algumas coisas estão engatilhadas e podem acelerar esse processo, mas ainda não sei quais são esses ciclos e como vou me sentir quando perceber que eles terminaram. Isso me dá medo, mas esperança de que algo pode finalmente acontecer.

Em certo sentido, a promessa que fiz de continuar me desafiando está sendo levada em frente. Mesmo destruído física e mentalmente, tenho algumas ideias que quero colocar em prática. Eram planos para 2020, mas que não tive forças para fazer. Dei um passo importante que foi abrir um espaço na minha agenda para eles. Depois de meses martelando na minha cabeça, quero tirar eles do papel. E esse sentimento é um ótimo combustível para começar 2021.

Como este é um texto mais emocional e escrito no impulso, não vou revisar. Provavelmente vai ter erros, mas peço que relevem. É um exorcismo, não uma aula de gramática.