– Sério, não tô brincando mais. Quem tá aí?

Devia ter se passado mais de uma hora desde que embrenhou na capoeira do sítio do avô para perseguir aquela luz. Queria apenas chegar perto dela, mas nada que fizesse os deixava mais próximos. Quando corria, ela ia mais rápido. Se desacelerava, ela diminuía o ritmo. Tudo em pequenos pulos, deixando um rastro de divertidas sombras verdes ao redor. Mas o tempo corria e ele começava a ficar nervoso. Era noite e seu pai devia estar preocupado, ainda mais porque saiu sem a lanterna. E ele nunca saía sem a lanterna nas expedições noturnas.

Aquela luz, porém, era algo que nunca tinha visto em seus quase doze anos de explorações. Considerava-se o maior veterano daquela mata. Era seu lugar preferido no mundo inteiro e todo final de semana inventava uma brincadeira nova. O bosque do Tarzan, a mata onde caçava pokémons, o templo do Indiana Jones. Sabia entrar e sair por todas as passagens secretas. Mas naquela noite, pela primeira vez, tinha a impressão de estar perdido. A escuridão era cada vez maior, as árvores estavam mais próximas e o silêncio doía. Apesar disso, tinha chegado longe demais para desistir.

Caso tivesse se planejado para sair naquela noite, tudo seria diferente. Teria levado água, comida e a lanterna. Mas viu a luz esverdeada piscando pela primeira vez quando estava deitado na rede da varanda. Como um farol, ela surgia e sumia. Achou que era seu chamado para a aventura e não pensou duas vezes. Calçou a botina, gritou para o pai que daria uma voltinha e saiu atrás dela. Agora estava cansado de tanto andar e não sabia mais como voltar.

– Por favor, para um pouquinho. Estou com medo de verdade.

Quando ouviu essas palavras, a luz brilhou ainda mais forte. O menino não entendeu o que ela queria dizer, mas por dentro sentiu que precisava seguir em frente. Nunca sentia medo, se orgulhava disso. Havia enfrentado até uma cascavel “sem nem suar”, como gostava de contar para todo mundo. Desde a morte da mãe, sabia que precisava ser mais forte. Precisava ajudar o pai. Não podia titubear. Por isso decidiu que não sentiria mais medo. Mas naquele momento não teve como esconder. E a luz percebeu isso.

Ela pulava animada e a distância finalmente diminuía. Ainda não conseguia distinguir a fonte do brilho, mas sabia que cedo ou tarde descobriria. Foi quando a capoeira se iluminou com o brilho da lua. Suave, a princípio, mas bem mais intensa quando entraram em uma clareira que nunca tinha visto antes. Olhou para todos os lados para identificar onde estava, mas não conseguiu saber. Não havia sinal de cercas ou de árvores tão bem marcadas em sua memória. Sentada no meio da clareira, a luz o esperava.

À medida que chegava mais perto dela, as folham do chão vibravam em uma luz esverdeada e passavam a rodar ao redor. Um balé natural que o hipnotizava a cada passo. A luz parecia dar risadas da situação, como se encantada por vê-lo ali. Foi quando ela brilhou mais forte e explodiu em centenas de pequenas fagulhas, que dançavam junto às folhas e se transformavam em flashes.

A mãe o embalando quando bebê. O pai abraçado com ele no enterro. Os dois sentados no sofá assistindo a um filme. Uma lambida na cara dada por um cachorro. A luz da lanterna mostrando um sapo no riacho. Ele mais velho, perdido nos cabelos de uma mulher. Um choro escondido no travesseiro. Uma risada que ecoava em um grupo de pessoas. Copos levantados e levados à boca. O cheiro de um perfume doce no travesseiro. Um senhor carregando uma criança no ombro. Uma mão enrugada apertando a sua. Uma história contada na cabeceira da cama. Um sussuro no ouvido. Um arrepio. Uma mãozinha apertando a sua ao atravessar a rua. Um suspiro.

Imerso naqueles frames da vida, viu a luz se esvair. Da mesma forma que veio, sem cerimônias. Piscou e estava de volta à entrada da capoeira. Olhou para trás com um sorriso e, enfim, entendeu tudo.

Para ler ouvindo: Ilha do Farol – Felipe dos Santos

Esta crônica faz parte do Music Experience