Um bestseller pra chamar de meu

Marian Keyes
Publicado em 2004
Compre aqui


Meu primeiro contato com Marian Keyes foi aos 14 ou 15 anos, quando li o romance de estreia da autora, Melancia. E não foi um bom primeiro contato. Não sei se foi por preconceito, pela da história ou pelas personagens, só me lembro que detestei o livro. Também pudera, Melancia foi o primeiro chick-lit que li. Ainda não acostumado com o gênero, tinha expectativas muito diferentes e eu, no alto do meu coração de pedra, não consegui ler tudo com bons olhos.

O tempo passou e outros livros desse tipo caíram em minhas mãos (Os delírios de consumo de Becky Bloom, O diário de Bridget Jones e O Diabo veste Prada são só alguns exemplos). Como realmente curti alguns deles, decidi dar uma segunda chance para Marian Keyes. Foi assim (e por uma promoção da Saraiva) que Um bestseller pra chamar de meu veio parar em minha estante.

O livro conta a história de três mulheres que, apesar de se relacionarem, praticamente não se encontram. A primeira delas é Gemma, uma organizadora de eventos que precisa cuidar da mãe abandonada pelo pai e começa a apresentar sintomas de depressão. A segunda é Lily, casada com o ex-namorado (e amor da vida) de Gemma, que consegue publicar um romance de relativo sucesso. A última delas é Jojo, uma famosa agente literária que tem um caso com um dos sócios (casado e com filhos) da empresa em que trabalha.

Isso é só um resumo e, para entendê-lo melhor, é só pegar o nome do livro em inglês e uma das epígrafes do livro. O título original é The other side of the story, que em uma tradução livre seria O outro lado da história. Já a epígrafe é de um autor anônimo: “Existem três lados em toda história. O seu lado, o lado deles e a verdade”. É a partir desses dois pontos que vou falar do livro.

A história das três mulheres se entrelaça nos detalhes. Gemma era namorada de Anton e amiga de Lily. Quando Anton resolve sair de Dublin (onde mora Gemma) e ir para Londres (onde mora Lily), tudo desanda. Gemma fica arrasada e pede para que Lily vigie o “namorado”, mas ela se apaixona por ele. Então Gemma fica com raiva porque acha que a amiga roubou seu homem e Lily se sente culpada por ter traído a amiga ao se apaixonar pelo ex.

Já Jojo é agente literária das duas. Primeiro ela aceita Lily como cliente, quando ela escreve o bestseller As poções de Mimi. Depois é Gemma que entra para o círculo de Jojo, com um romance sobre a separação dos pais. As ligações entre as personagens são frágeis e servem apenas como fio condutor das histórias, que são independentes. Por isso o livro se chama O outro lado da história, pois a cada momento somos apresentados às ações e pensamentos das personagens, que culminaram em uma ação única (como as relações com Anton e os livros publicados).

Drama nível Manoel Carlos

Ao descrever essas relações, Marian Keyes usa e abusa dos diálogos, situações vergonhosas e do humor. As personagens femininas são bem reais, podendo ser você que está lendo essa resenha (se você for uma mulher, lógico), sua vizinha ou alguém de outro continente. Os dramas são bem cotidianos, as reflexões também. A escrita é feita de forma simples e direta, que nos aproxima das mulheres retratadas. Como um bom representante do gênero chick-lit, a leitura é bem fluida.

Apesar disso, o livro é maçante. São mais de 700 páginas para contar uma história simples e que não traz reviravoltas. Às vezes fica a sensação de estarmos lendo os mesmos problemas em looping, disfarçados apenas pela forma como o livro é estruturado. Dividido em três partes, cada uma delas traz um bloco de capítulos dedicado a uma das personagens. Na terceira parte as histórias se mesclam, mas as personagens não se juntam em momento algum. Essa divisão, porém, traz alguns problemas, pois as histórias são simples demais para muitas páginas e, no final, todas se atropelam para resolver os problemas criados o mais rápido possível.

O interessante dessa divisão é que o livro acaba escrito tanto em primeira quanto em terceira pessoa, dependendo da personagem em destaque. Quando Lily ou Gemma estão no comando, a narrativa vai para a primeira pessoa. Quando é Jojo, vai para a terceira. Isso evidencia quem são as personagens escritoras e quem é a agente que não escreve.

No fim, um livro potencialmente divertido e que se torna cansativo pela relação número de páginas vs história. Mas como praticamente todas as resenhas de fãs da Marian Keyes dizem que esse não é nem de longe o melhor livro da autora, vou dar uma terceira chance para ela.

“Como se eu precisasse disso”

Um bestseller pra chamar de meu (The other side of the story)
Marian Keyes
741 páginas
Bertrand Brasil, 2011 (originalmente em 2004)
Tradução: Renato Motta

P.S.: Queria só deixar uma passagem do livro para reflexão: “Apesar das falhas, porém, o livro era divertido e provavelmente venderia bem. É claro que os críticos nem iriam reconhecer que ele existia; livros daquele tipo – ‘bobagens de mulher’ – voavam pelo mercado abaixo do radar. De vez em quando, para servir de exemplo aos outros, eles tiravam um desses da gaveta e faziam sua ‘resenha’ (embora, na verdade, o texto tivesse sido escrito antes do crítico ler o livro), e destilavam deboche com a terrível superioridade de membros da Ku Klux Klan que gargalham diante de rapazes negros amarrados a um tronco”.