Reinações de Narizinho

Monteiro Lobato
Publicado em 1931
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Recomendo o play nesse vídeo antes de começar a ler a resenha.

Comprei um box com oito obras infantis de Monteiro Lobato com a justificativa de “é para o futuro dos meus sobrinhos”. Era mentira. Lógico que sou um tio muito legal e já penso no que darei para eles lerem quando estiverem maiores, mas por enquanto nem ler eles sabem. Queria os livros para mim e inventei essa desculpa. Precisava compensar o erro de nunca ter lido as histórias do Sítio do Picapau Amarelo enquanto era criança. Então só agora, com 23 anos nas costas, consegui fazer isso.

Apesar de não ter escrito apenas para crianças, foi por essa obra que Lobato ficou mais conhecido. Poucos escritores nacionais têm o privilégio de ser lido por diferentes gerações. Em uma pesquisa divulgada em 2012, Lobato era apontado como o brasileiro mais admirado, a frente de Machado de Assis e Paulo Coelho. Muito disso vem das bem sucedidas adaptações de sua obra para a televisão. Por isso, é muito difícil saber com certeza quantos foram direto na fonte desse universo mágico: os livros.

Reinações de Narizinho começou a ser escrito em 1920 e foi publicado 11 anos depois. Composto por 11 histórias independentes, escritas em momentos diferentes da vida de Lobato, o livro narra as aventuras de Lúcia, a menina de narizinho arrebitado, sua boneca Emília e seu primo Pedrinho. É nele que descobrimos como Emília aprendeu a falar, como se casou com o Marquês de Rabicó, como foi criado o Visconde de Sabugosa e porque ele ficou tão inteligente, além de acompanhar as aventuras no Reino das Águas Claras e no Mundo das Maravilhas.

Essas histórias, apesar de independentes, possuem um elemento muito forte que as une: a magia da infância. Desde o primeiro momento, quando Narizinho conhece o Reino das Águas Claras, somos imersos em um universo onde tudo é possível. Não nos perguntamos o porquê daquele peixe estar andando acima da superfície, se é possível a menina respirar debaixo d’água ou como a boneca começou a andar. A fantasia é tão natural que embarcamos nas aventuras de Narizinho e nos divertimos com aranhas tecelãs, porcos glutões ou abelhas rainhas.

E mesmo quando Lobato não está criando seu próprio mundo, ele utiliza histórias já clássicas para compô-lo. São várias aparições de personagens de contos de fadas e de desenhos e filmes, como Gato Félix e o cowboy Tom Mix. Esses personagens interagem com os do Sítio, o que deixa a história bem diferente daquela que já conhecemos. Como se não bastasse citar as criações, os responsáveis por colocá-las no papel muitas vezes também dão as caras. No Mundo das Maravilhas é possível bater um papo com Esopo e La Fontaine. Os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen são alvo de um comentário. Isso faz com que o livro se torne algo além da simples diversão e passe a introduzir as crianças em universo fantástico complexo, com séculos de história a ser explorada.

Falando nos personagens, é legal perceber que é o Sítio é composto por uma família sem a figura paterna. Quem comanda a casa é Dona Benta, auxiliada por Tia Nastácia. Pedrinho é sempre citado como o filho de Antonica (que é filha de Dona Benta). Vale lembrar que isso era em 1920 e não havia discussões sobre feminismo como existem hoje e as mulheres eram bem mais oprimidas. Além disso, as duas crianças e a boneca são criadas com extrema liberdade e têm pensamento crítico sobre o mundo. Personagens assim eram raros, pois as histórias infantis se preocupavam em passar lições de moral para os pequenos. Apesar de Dona Benta não participar da maioria das aventuras, em momento nenhum ela as reprime. E aí podemos fazemos inúmeros paralelos com tolher a imaginação de nossas crianças e como é o modelo de educação.

Além disso, que personagem sensacional é a Emília, “uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo” e “com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa”. A partir do momento que toma a pílula do Doutor Caramujo (ou Cara de Coruja, como ela diz), a torneirinha de asneiras é aberta e nunca mais para. Como uma criança teimosa, ela fala tudo do jeito dela, não tem pudores na hora de ofender ninguém, é mimada e interesseira. É sempre divertido acompanhar as tiradas que ela dá a todo momento, em qualquer personagem.

Mas não dá para falar do livro sem falar do próprio Sítio do Picapau Amarelo. Cercado por matas fechadas, rios e animais, o Sítio é o espaço perfeito para a brincadeira das crianças. É um lugar especial, em todos os sentidos. Em uma das história do livro, Pedrinho conhece Peninha, um ser invisível que se assemelha a Peter Pan. Peninha tem um mapa que o guia pelas terras mágicas e, nele, está desenhado o Sítio (“com o chiqueirinho de Rabicó bem visível”). Esse é um dos pontos que me faz acreditar que o Sítio é um desses lugares maravilhosos que só conseguimos chegar com a imaginação. Um lugar onde podemos ser nós mesmos e nos deixarmos voar para onde quisermos. Um lugar mágico.

Por isso que eu tenho certeza: se torcer o livro, escorre fantasia. Se queimar, as cinzas viram pó de pirlimpimpim.

A leitura alternativa

Já queria pedir desculpas antecipadas ao Lobato pelas próximas considerações. Elas são uma viagem muito doida da minha cabeça, mas eu precisava compartilhar com alguém antes que criassem raízes e eu passasse a acreditar nelas de verdade.

Durante a leitura de Reinações de Narizinho, fiquei com a impressão muito clara que tudo aquilo não passava de uma alucinação causada pelo uso de drogas. Pensa comigo: uma família inteira conversa com uma boneca de pano e com um sabugo de milho, a menina casa com um peixe e os contos de fadas visitam o sítio. E todo mundo acha isso normal.

As histórias geralmente acabam com a Narizinho “acordando” daquela situação, com a Dona Benta chamando ou algo do gênero. Sempre há um retorno para a realidade, que é o momento que a droga para de fazer efeito. A única que às vezes estranha esse monte de anomalias é a Tia Nastácia, mas como isso só acontece de vez em quando, acho que é porque ela ainda não está drogada.

Até então eu acreditava que a Dona Benta plantava maconha hidropônica no pomar. Tudo certo, um consumo de uma droga mais leve. Mas no final do livro descubro que eles CHEIRAM o pó de pirlimpimpim. Até apelido de usuária de drogas pesadas a Narizinho tem. Encerro o caso aqui, meritíssimo.

Reinações de Narizinho
Monteiro Lobato
Editora Globo, 2011
279 páginas

*Este livro faz parte da Meta 2017