O calor da fogueira era sua única companhia naquela fria noite de julho. Concentrava-se no crepitar da madeira para esquecer o que ela lhe dissera mais cedo, mas conseguia ouvir cada palavra no bruxulear das chamas. Para lá, para cá. Para cá, para lá. Para lá, para cá. Os pensamentos eram como as pequenas brasas, ascendiam aos céus e se mesclavam com as estrelas. Milhões deles. Um infinito de incertezas.

– Trouxe quentão pra gente.

– Não tô no clima de quentão, Mandinha.

– Você não me engana, tá com cara de quentão. Ou de que precisa beber alguma coisa.

– Sério mesmo, não quero. Só preciso ficar sozinho.

– Você tá na frente dessa fogueira há meia hora, Dico. A gente tá preocupado.

– Não precisa se preocupar. É coisa minha, vai passar.

– Como passou daquela última vez? Você ficou um mês em casa sem falar com ninguém.

– Eu precisava desse tempo pra mim.

– A gente entendeu e te deixou lá. Mas agora chega, você não vai cair nesse poço de novo.

– Você não entende.

– Não entendo mesmo, você sabe que não sou dessas que fica apaixonada. Mas toma tenência e vem ficar ali na mesa com a gente.

– Não quero ver mais ninguém agora. Ela ainda tá aqui?

– E quando ela deixou de fazer alguma coisa por sua causa? É lógico que ela ainda está aqui.

– Então vou ficar aqui mesmo. Não quero ver a cara dela. Não tô pronto.

– Pelo menos toma o quentão.

Ainda era possível ver os rastros das lágrimas secadas pelo calor do fogo, misturados com a fuligem. Ele acenou com a cabeça, como quem aceita o destino, e pegou o quentão. Tomou um gole e voltou a olhar para a fogueira, absorto pelo movimento. Disposto a não estar mais ali.

– Ela nem quis conversar direito comigo.

– Achei que vocês nem tinham se visto ainda.

– Foi assim que ela chegou. Eu estava lá em cima, tentando pescar um peixe para comer agora de noite. Ela não me viu sentado na beira do açude. Quando reparou que eu estava lá, não tinha mais jeito de fugir.

– Mas o que ela te falou?

– Aquelas coisas de sempre. Disse que se soubesse que eu viria, nem pisaria aqui no sítio. Que estava cansada de me ver rondando a vida dela. Que preferia me ver morto a ter que me encontrar mais uma vez.

– Já tem seis meses, Dico. Vocês ainda estão nessa?

– Bom, pelo jeito estamos. Mas cê sabe que a culpa é toda minha. Provoquei isso.

– Você errou feio, mas não dá mais pra ficar assim. Vocês terminaram, acabou.

– É horrível encontrar com ela o tempo todo, sabe. Eu nem queria estar aqui, mas o Batata ia me matar se eu não viesse. É a festa junina de aniversário dele, é tradição nossa.

– Eu sei, Dico. Mas uma hora vocês vão precisar superar isso. A gente não vai tomar partido de ninguém, então vocês que se resolvam.

– Sabe no que fico pensando? Que sou um bosta. Desses caras que vão morrer sozinhos porque não conseguem se relacionar com ninguém. Se soubesse que ia dar essa confusão toda, nem tinha dado aquele primeiro beijo.

– A merda já aconteceu, agora não adianta mais ficar se lamentando. A gente precisa é aprender a lidar com isso.

– Vocês não precisam lidar com nada, a culpa é toda minha. Eu que sou o errado. Sempre eu. Eu que fodo tudo o tempo inteiro. Eu. Sozinho.

– Não vem com essa. A gente é amigo há quanto tempo? Quinze, dezesseis anos? Você acha que vamos deixar você se afundar assim?

– Pois deviam.

– Até parece que vamos fazer isso.

– Eu sou todo errado, vocês sabem disso. Já percebeu que nunca consegui ficar mais de um mês com a mesma pessoa? Essa foi a primeira vez. A única que realmente senti algo diferente. Mas é assim que minha vida funciona, sempre que alguma coisa vai bem eu decido estragar tudo. É uma merda viver assim.

Tomou mais um gole do quentão e voltou o olhar para a fogueira. Sentia que sua vida era como aquilo ali. Seu comportamento era o fogo, consumindo tudo ao redor. Destruindo todos até não sobrar mais nada. Até ele mesmo se extinguir.

– Gosto muito dela ainda. Cê sabe disso. Foi a primeira mulher que amei de verdade.

– Eu sei.

– Estraguei tudo. E agora?

– Não sei, Dico. Não sei.