Hoje aconteceu uma coisa bizarra aqui no galinheiro. Quando subi no telhado pra acordar todo mundo, centenas de galinhas já estavam nas ruas. Parecia uma procissão, com todas vestidas de preto, calça jeans e carregando bandeirinhas com o desenho de uma maçã mordida. Como se isso não fosse estranho o suficiente, percebi que elas formavam uma fila quilométrica em frente à macieira do vizinho.

Antes de continuar, preciso explicar uma coisa sobre essa tal macieira. No sítio em que moramos tem várias árvores frutíferas. Tem acerola, mixirica, laranja, limão, banana, fruta pão, fruta do conde e umas outras do cerrado que chamo tudo de mangaba pra facilitar. Todas são adaptadas pro clima daqui e ficam cheias de frutas no período certo.

No vizinho é diferente. Ele resolveu tocar o foda-se pra essa coisa chamada adaptação e inovar. Plantou um monte de coisas de clima frio, na esperança de dar certo e ser o primeiro da região a conseguir. Cavou o terreno inteiro, fez fileiras e mais fileiras de maçãs, peras, damascos, pêssegos. Como aqui é quente pra porra, lógico que não deu certo. Hoje ele tem fileiras e mais fileiras de árvores feias e sem utilidades, mas se gaba delas pra todo mundo.

Enfim, voltemos pra tal macieira. Teve um dia que uma das árvores dele deu uma flor. Uma única e mísera flor. Foi o suficiente pro dono do sítio armar uma festa enorme. Ele fez um evento todo elaborado, convidou pessoas influentes pra verem a flor e cuidou dela com a maior atenção. Todo carinho a fez virar uma bela maçã que, dizem, era muito suculenta. Não provei porque um micro pedaço era caríssimo pros meus pobres padrões. Mas isso foi o suficiente pra todo mundo começar a idolatrar aquela macieira.

Desde então ela vem soltando uma flor nova a cada dois ou três anos. Quando isso acontece, todo mundo fica desesperado pra ver, encostar e comer um pedaço. Ela é assunto durante dias, pauta os jornais, as redes sociais. Tudo. Pelo nível da fila de hoje, provavelmente o dono do sítio ao lado deve ter anunciado uma apresentação especial sobre uma nova flor e eu, alienado, nem percebi.

Aliás, pra ser sincero, a maçã do vizinho nunca me interessou. Aqui no mercado tem uma infinidade de outros tipos de maçã. Dizem, inclusive, que as que vendem aqui são iguais ou até melhores que as deles. Isso sem falar nas outras frutas, mais adaptadas pra cá, tão gostosas quanto e que me satisfazem do mesmo modo.

Por isso não entendo esses maçãmaníacos. O produto deles nem é o melhor, mas são todos alienados pela marca. Formam quase uma seita religiosa, cultuando a toda e poderosa maçã do vizinho. Se a macieira cai uma folha, eles analisam até o movimento gravitacional da queda. Se a flor murcha um pouco, eles dizem a culpa é de quem compra outro tipo de maçã. Aliás, o esporte preferido dessas pessoas é tentar menosprezar quem consome outro tipo de maçã, como se a deles viesse diretamente de deus.

O rebuliço foi tanto que, depois da apresentação do vizinho, fiz questão de dar uma olhada na internet pra ver o que eles falaram sobre a nova maçã. Tinha uma multidão dizendo que era a melhor coisa do mundo, que precisava de um pedaço agora e que tava vendendo o rim pra conseguir. Isso porque a maçã nem nasceu ainda. Mas por trás dos exageros, consegui pegar algumas informações reais e vi que a tal maçã não tem nada de mais. Gente, maçã é maçã e a maçã do vizinho é só mais uma. Não tem nada de especial e vai ser mais cara por isso.

Quando subi no telhado pela manhã, ainda sem saber o motivo daquela fila, fiquei assustado. Ela aumentava exponencialmente e o número de gritinhos era impressionante. Até esqueci de cantar pra acordar todo mundo. Voltei para o poleiro aturdido e me fodi por causa disso, já que o granjeiro acordou atrasado e colocou a culpa toda em mim. No calor do momento, ele até ameaçou me mandar pra panela. Filho da puta. Com as galinhas que ficaram na fila e esqueceram de botar ovos ele não fez nada.

Tudo culpa dessa maçã inútil. Tomara que caia água nela e estrague tudo.