Recheado de pequenos spoilers

Novembro de 63

Stephen King
Publicado em 2011
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“Se – disse Roland. – Um velho mestre meu dizia que esta era a única palavra de mil letras.”

Resgatei uma citação de Lobos de Calla porque ela descreve bem o que é Novembro de 63. Se você tivesse a oportunidade de voltar ao passado e mudar o curso da história, faria isso? Se esse curso fosse mudado, o que alteraria no presente? Se você encontrasse a mulher de sua vida nessa nova linha temporal, seria capaz de abandoná-la por um bem maior? São essas as perguntas que guiam este livro do Stephen King.

Novembro de 63 traz a história de Jake Epping, um professore de inglês comum que se vê recrutado para uma missão inusitada: salvar a vida do presidente John F. Kennedy. O livro começa quando Al, o dono de um restaurante que Jake frequenta, surge em um estágio terminal de câncer de pulmão. Isso é estranho, já que no dia anterior o professor havia encontrado Al e ele estava bem.

O dono do restaurante conta, então, que existe uma escada invisível em sua despensa que o leva para 9 de setembro de 1958. E que não importa quanto tempo ele fique no passado, sempre retornará 2 minutos depois do horário que saiu. Al passou alguns anos por lá tentando impedir o assassinato de Kennedy, mas precisou voltar antes por causa da doença. Agora cabe a Jake fazer isso.

Viagem no tempo é um tema que sempre ronda a mente dos escritores e vira e mexe aparece por aí. Não é sem motivo. Poder mudar algo no passado e reescrever o futuro é algo que realmente atrai bastante. No posfácio, King conta que tentou escrever essa história pela primeira vez em 1972, mas o assassinato do presidente ainda era muito recente e a pesquisa envolvida daria muito trabalho para um professor em horário integral. Da mesma forma que fez com Sob a redoma, ele reciclou a ideia nos anos 2010 e escreveu Novembro de 63.

A primeira coisa que preciso falar aqui é sobre o conceito de viagem no tempo que o King estabelece. Como é algo que desafia nossa imaginação, toda vez que algum livro, filme ou seriado brinca com a ideia, precisa fazer isso com regras claras e bem estabelecidas. Em Novembro de 63 isso ocorre. Passando longe dos paradoxos mais conhecidos, ele trata as viagens como a criação de cordas de realidade (ou realidade paralelas). À medida em que elas aumentam, podem se conflitar. Não é um conceito novo, mas é bem trabalhado.

A primeira delas é que o passado não quer ser alterado e vai fazer de tudo para que isso não aconteça. Essa é a grande tensão do livro, pois quando Jake se aproxima de suas missões, sente na pele como “o passado é obstinado”. Essa obstinação é para mostrar outro conceito que o King traz, de que estamos vivendo na melhor realidade possível. Apesar de possuir os seus problemas, qualquer alteração no passado só vai piorá-lo. Isso fica bem claro quando o assassinato do Kennedy é impedido e Jake volta para um mundo devastado pelo terror das armas nucleares e da falta de segurança. Ou seja, não adianta nada mudar o passado.

Great Scot!

Mas tudo que disse até agora não descreve nada do livro. Apesar de o arco principal do livro ser o assassinato do Kennedy, precisamos lembrar que Jake volta para o passado em 1958, cinco anos do atentado. Esse detalhe é, ao mesmo tempo, a coisa mais incrível e o maior tiro no pé do livro. Vou explicar o porquê.

A obra possui uma estrutura narrativa que consegue nos envolver aos poucos naquele mundo. O mérito é todo do King, que faz com que embarquemos com ele em uma viagem temporal sem nos questionarmos muito sobre o mecanismo dela.

O primeiro passo é nos tirar a sensação do absurdo. Quem já leu a série da Torre Negra (em especial A escolha dos três e Lobos de Calla) está familiarizado com o conceito de portais inseridos em seu universo. Quem não leu pode achar o conceito estranho, mas Novembro de 63 faz um bom trabalho em mostrar como eles funcionam. Logo no início do livro, Jake faz três viagens ao passado. A primeira é para mostrar que o portal funciona. A segunda é para evidenciar que as ações dele modificam o presente. Já a terceira é definitiva, quando ele tenta impedir o assassinato do Kennedy.

Ele nem sabia o que estava para acontecer

Ou seja, temos um período de horas na primeira viagem, alguns meses na segunda e cinco anos na terceira. Isso justifica a existência das pouco mais de 700 páginas do livro. Nesse espaço, o autor explora três cidades diferentes e uma gama de personagens secundários, alguns mais importantes que outros. E apesar de toda a tensão vir da proximidade com o assassinato, o livro se constrói é no meio do caminho.

Aqui é hora de dar uma salva de palmas para o King pela construção do cenário. Visto por um sujeito descrente com o presente, temos um final de anos 1950 e início de 1960 romanceado, destacando as partes boas e o quanto as coisas eram melhores naquele tempo. As pessoas eram mais simpáticas, as coisas mais baratas, a comida e a bebida eram mais puras. Porém o autor não esquece que era uma época difícil de segregação racial e de preconceito explícito. Em determinado momento ele alerta o leitor para isso, que se ele estivesse mostrando os anos 1950 bonitos demais, que a gente se lembrasse de como os negros eram tratados para ver que nem tudo era maravilhoso.

Além disso, ele destaca as diferenças culturais existentes entre as épocas. Isso é fruto de uma extensa pesquisa que o King disse ter feito para poder ambientar melhor a história. Graças a ela que vemos toda a histeria da Crise dos Misseis, em 1962, e um retrato um pouco mais humano sobre Lee Harvey Oswald, o sujeito que teria atirado em Kennedy.

É nesse período intermediário que King abusa daquilo que sabe fazer de melhor: construir bons personagens e fazer com que nos importemos com eles. Como vemos tudo pela mente do Jake, em uma narrativa reflexiva em primeira pessoa, podemos nos identificar com ele e com as pessoas que ele ama. Porque, apesar de tudo, Novembro de 63 é um livro sobre amor. Quando Jake vai para o passado, ele se vê sem perspectivas de vida, com uma ex-mulher alcoólatra e com a carreira estagnada. Quando começa a viver em uma cidadezinha do interior do Texas, conhece Saddie Durnhill.

A partir disso o livro toma outros contornos e faz com que o protagonista comece a se importar com algo na vida. Se antes ele estava no passado apenas para impedir Lee Oswald, agora tinha um novo amor e precisava se preocupar com ele. A forma como a história dos dois é construída é gradual e vamos nos apaixonando por Saddie junto com Jake. É por isso que o final do livro é tão bonito. Sim, o King conseguiu fazer um final decente e nos entregou uma pequena peça de amor nas últimas páginas.

Apesar de tudo que falei, Novembro de 63 tem problemas sérios de ritmo. Que o King escreve de forma fluida todo mundo já sabe. O problema é que este livro é longo demais. Como disse, Jake precisa passar cinco anos no passado até que o assassinato ocorra. Nesse período, temos o desenvolvimento de uma vida. Embora o King tente desenvolver cidades e personagens como fez em A coisa, Dança da morte e Sob a redoma, aqui ele não é bem sucedido. Por tudo ser feito em primeira pessoa, ficamos focados apenas nos dramas do Jake e chegou uma hora que parei e pensei: “Beleza, que horas ele vai impedir o assassinato?”.

Era esse momento que os leitores esperavam

A enrolação é o principal ponto negativo e me fez não colocar este livro entre os melhores que já li do autor. Pensei em uma explicação plausível para o personagem ter voltado tanto tempo antes e a única que encontrei foi que o King queria voltar para Derry em 1958. Quem leu A coisa vai se lembrar que esse foi o ano que o Clube dos Perdedores derrotaram o Parcimonioso. Na segunda vez que Jake volta ao passado, ele passa bastante tempo em Derry para resolver uma missão por lá e sente o clima pouco amistoso da cidade, proveniente da passagem do palhaço.

Quem curte A coisa vai se deliciar com a participação especial de dois personagens que são são fundamentais para a resolução do problema: Richie ‘Boca-de-lixo’ Tozier e Beverly Marsh. A cena que os dois encontram o Jake é bem construída, mas não justifica toda a enrolação que vem por causa dessa decisão.

No fim, um bom livro do King que peca por ser extenso demais. Se (olha o “se” de novo) você quiser encarar as 727 páginas, vá com isso na cabeça e aproveite bem a viagem.

Novembro de 63 (11/22/63)
Stephen King
Suma de Letras, 2013 (originalmente em 2011)
727 páginas
Tradução: Beatriz Medina

P.S.: Além das autoreferências que citei na crítica, King também faz uma pequena homenagem a Christine, com um Plymouth que ronda a trama.